quarta-feira, 25 de maio de 2016

Guarda-roupa no tempo

Ele nunca comprou fiado. Nunca teve conta em banco. Nunca teve teve telefone ou carro. Mesmo sem saber, talvez seu maior tesouro, além dos filhos, era o primeiro guarda-roupa. Operário, juntou o dinheirinho que sobrava do salário. Isso durou meses. Comprou o tal que olhou um dia na loja de móveis do bairro - e decidiu. É bonito o três portas com espelho e três gavetas. Suas linhas são arredondadas, os pegadores têm estilo, a madeira maciça resistente. Este móvel guarda os segredos do quarto do dono com a sua única companheira durante anos. Só saiu do lugar duas vezes. A primeira para ir da meia-água dos fundos, alugada, para a casa própria. A segunda para dali  viajar milhares de quilômetros no retorno dos dois à cidade de origem. Eles morreram faz tempo. O guarda-roupa continua lá, depois de sessenta anos. Dentro, algumas roupas do casal, que um dos filhos não quis se desfazer. Mas o móvel está morrendo. Comido. Logo será destruído, queimado. Durou muito, serviu muito bem a quem o comprou e, no fim, ainda alimentou gerações de cupins.

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