quarta-feira, 16 de outubro de 2013
A voz de Tambaú
Ouvia todo dia a benção do Padre Donizetti. Pelo rádio. Era uma gravação e voz saía do alto-falante do aparelho como se viesse do outro lado do mundo. Tambaú, para ele, era mesmo do outro lado daquele mundo onde as fronteiras nunca ultrapassadas distavam no máximo quatro quadras. Era um menino que trazia o medo como companheiro inseparável. Ele não sabia o que era isso, apenas reagia àquela coisa que o paralisava e trancava a garganta. Seis horas, Ave Maria. O locutor abria o programa assim e, mais tarde, ganhou votos para ser deputado. O menino não estava interessado nisso. Queria ouvir a voz do padre, a benção do padre - e todo dia aquelas mesmas palavras o faziam imaginar a figura de batina preta, cabelos brancos, olhar de santo dedicado aos desamparados, como ele. Era um momento em que não temia a nada, nem ao Belzebu, se este se materializasse ali ao lado do rádio. Estava protegido pelo padre. Assim tem sido, mesmo depois que a gravação sumiu no tempo junto com o programa religioso. Ele sempre escuta a voz que vem lá de Tambaú. É o que lhe segura a vida, apesar de os medos jamais terem desaparecido.
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