terça-feira, 8 de outubro de 2013

Com fome nos olhos

Albino e de olhos azuis. Não usava óculos porque era impossível para um roedor das caatingas. O encontro parecia marcado pelo delírio imposto por um sol de derreter tudo. O outro, da espécie humana, tinha saído do Sul do país para realizar o sonho de percorrer os caminhos conhecidos de Lampião e o bando. Vestia roupa parecida, só não portava arma nem aquele chapéu enfeitado porque corria o risco de levar bala sem saber. No quinto dia da caminhada estava tão estropiado e morto de fome que amaldiçoou o dia em que encasquetou de realizar aquela loucura. Perdeu-se no tempo e no espaço. Teve sorte de não espetar o olho num espinho de mandacaru, como seu herói, mas furou a palma da mão direita e aquilo estava latejando por causa da inflamação. Jogou gibão de couro longe, as alpercatas cortaram a pele de seus pés e bolhas pipocaram na sola. Desmaiou e quando acordou viu o albino de olhos azuis. Ficaram se olhando por um tempo - e o calango não fugiu. O ronco da fome fez soar a cuíca no cérebro do aventureiro. Ele lembrou de uma famosa reportagem que mostrava um nordestino segurando aquele rato do mato como o motivo da sobrevivência. Pegou o bicho e já foi apertando o pescoço. Fez isso com tanta força que os olhos azuis saltaram das órbitas. A primeira dentada que deu foi só para arrancar a pele na parte onde ele achou que tinha mais carne. O sangue escorreu pela boca. Ainda estava quente. Ele gostou.

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