quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Dois dentes
Era tão magro que um dia o convidaram para entrar numa escola de faquir. Levava jeito. Mas ele não gostava da ideia de ficar deitado ou sentado em cima de pregos. Pior eram as cobras. Tinha visto uma vez o famoso Silk - e não gostou nada. Vivia a vidinha de subúrbio indo ao colégio público e ajudando o pai num pequeno comércio. O velho um dia deu a ordem: queria o filho oficial da Polícia Militar. Ele lia jornal. Tremeu na base. Naquele pedaço do país ser meganha era como pintar um alvo na cara. O pai mandou ele para uma dessas academias de ginástica de antigamente, sempre chamadas de Hércules ou coisa parecida. Precisava pegar peso e ter músculos. Ele foi. O dono era ex-mister qualquer coisa. Recebeu-o com um olhar de desaprovação. Mas o garoto era determinado. Malhou. Foi para o exame. Passou no intelectual e no físico. Mas bailou no médico. Tinha músculos, mas a falta de dois dentes lá no fundo da boca era um pecado mortal. Tinham sido arrancados por um protético metido a dentista na vila dos pobres. Ele gostou da reprovação. Saiu da vila, virou profissional da saliva, foi morar em bairro de bacana. Tinha dinheiro até para ficar com a boca rica feito político em campanha, mas nunca colocou aqueles dentes, apenas conservou bem os outros. Para lembrar do que tinha se livrado.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário