segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sem jogo com a morte

Ninguém viu, mas ele estava lá fora do enquadramento da cena de O Sétimo Selo, do Bergman. Olhou o jogo de xadrez onde a morte tomava conta de tudo e saiu se arrastando para lavar o rosto no banheiro do cinema. Estava dentro ou fora? Ela, a morte, se apossou dele como uma obsessão tão profunda que nem ouviu o cineasta sueco gritar "corta" para guardar a cena na memória de todos que viram o filme. Se pudesse ele cortaria a árvore, aquela, mas preferiu sair pela avenida respirando o ar poluído da cidade grande. Foi para casa se arrastando e sentindo o fio da foice no gogó. Entregou os pontos para a vida, mas não tinha jogado o jogo - e aquela situação durou muito tempo. Um dia ele achou que tudo estava estranho demais por causa da participação dentro e fora de um filme. Ele não sabia mais o que fazer e resolveu tomar banho. Água muito quente. Ficou mais molenga. Lembrou então da história contada sobre um ator que mergulhava todo dia numa banheira com água e centenas de cubos de gelo. Não tinha banheira. Fechou a torneira de água quente, abriu a da fria. Viu então a morte sair de cena e se afogar num lago ali próximo do set de filmagem. Ganhou o jogo sem mexer uma única peça do tabuleiro.
  

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